sexta-feira, 27 de junho de 2008

O VERMELHO E O NEGRO

Meu gosto pelo vermelho e o negro é curioso. Sempre tem os mais espirituosos que dizem que é por causa do flamengo. Os amargos dizem que é por causa de Sthendall. Cores primárias, fugidias. Talvez, na juventude, tenha me filiado ao partido comunista por amor ao vermelho. Mas, com o passar dos anos, esse vermelho foi desbotando, ficando rosa até empalidecer por completo. O negro, acho que é o final de tudo. A resposta derradeira, inevitável. Por isso gosto da noite. Depois do lusco-fusco avermelhado do fim da tarde, vem ela, imponente, negra. A noite. Moça caprichosa, aceita somente o desafio dos pontinhos brancos das estrelas. Muitas já se apagaram há eras, outras ensaiam seus primeiros passos no hecatombe cósmico. Enquanto aqui em baixo, quando o tal do Apolo não consegue resistir à força da mãe noite, nós acendemos tochas, lâmpadas incandescentes, fibra ótica. Hah! Querendo peitar a escuridão da grande genitora. Os cientistas, inclusive a maioria sofre de aguda atrofia muscular, dão um nome à magnífica. Chamam de matéria escura; por vezes até de antimatéria. É isto! Sei porque gosto do negro. Ele é antítese. Sem meio-termo. Mas o vermelho, quando forte e vibrante, vermelho mesmo, tem seu charme. É rebelde. Nos entrega quando aparece em nossas faces caucasianas, de meninos travessos que negam o negro. O vermelho é a adolescência. Ele não permite inconsequências. As exige. É a cor de quem não tem coragem. “Nossa, você está pálido de vermelho! Sente-se bem?” Essa frase não soaria tão estranha. O negro, preto, azul-escuro é a maturidade. A força que a experiência pode nos dar. É a noite lá em cima, caolha e sardenta, olhando com reprovação os fracos rubros. Rubros caucasianos, núbios, cipanguenses, tupis. Rubros pintores, pedreiros, policiais, doutorandos, góticos. Todos rubros. Me disseram uma vez, faz tempo, que o homem rubro pousou no único olho da noite. Como um cisco. Acho que a grande mãe caolha não reclamou por que gosta de música, de jazz. E o nome de um dos ciscos era o mesmo de um cantor não-rubro. Cantor de jazz. Aqui, em meu único olho, tu jazz. Há pessoas – grande maioria- que nascem rubras. Estudam com professores com faces ruborizadas por livros muito antigos, que falam outra língua, de outra época. Crescem, magoam mulheres rubras e depois se casam, tendo filhos rubros. Só que acontece – a beleza da imprevisibilidade – que uns filhos nascem negros. Desde a mais tenra infância demonstram isso. não têm medo do escuro – aliás, o preferem -, não aceitam as verdades-rubras-prontas, escolhem a busca perigosa pelas perguntas negras. Enquanto secam em seus sofás vermelhos em sua aposentadoria rouge, rugem com seus filhos negros. proíbem o álcool cinza, a maconha cinza, a coca cinza. Proíbem o sexo escuro, o pensar do breu. Por isso, fundam sociedades secretas, partidos, comportamentos. Todos vermelhos. Sugam o planeta, prá Ter suas vidas vermelhas – sob o olhar caolho e descrente da grande mãe negra e absoluta. Impávida, lá em cima, já viu isso várias vezes. Não se preocupa, afinal, o que corre em suas veias é vermelho.

Planaltina df, junho 2008

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